sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Anita, mulher de dois mundos


Começou lentamente a primeira oficina de arraiolo, tapeçaria e gobelin, na Escola de Artesanato na Vila Cichawka (pronuncia-se Tchirráfca), no município de Łapanów (pronuncia-se Uanuf) a 50,2 km de Cracóvia.

O curso inaugural foi ministrado por Anita Dolly Panek, senhora de 85 anos, cientista brasileira, nascida em Cracóvia, na Polônia.

Havia dez alunas e a duração foi de cinco horas, no curso onde Anita mostrou como fazer arraiolo, brasileirinho da Madeleine Colaço e gobelin.

O convite para ministrar a oficina foi feito no ano passado durante o Festival da Cultura Judaica de Cracóvia, onde Anita, ministrou curso semelhante.


As fotos dos cursos postadas na Internet por Barbara Pociecha Zdebska, promotora dos cursos na escola Jaksen, despertaram a atenção e a necessidade de saber mais desta senhora e aguçaram minha curiosidade jornalística. E assim, Anita nos contou sua história incomum e como veio parar numa vila de poucos habitantes na região de Cracóvia.

A fuga
Anita Haubenstock (sobrenome de solteira) saiu da Polônia, com seus pais, em agosto de 1939, para férias na Riviera francesa. Iriam voltar em 1º de setembro. Acabou não voltando.

A família, devido a esta decisão forçada, deixou para trás todos seus bens e pertences, em Cracóvia.
Os familiares que não viajaram para a França com a menina Anita foram parar nos Campos de Concentração e Extermínio Alemão, nas cidades de Oświęcin e Brzezinka, os famosos Auschwitz e Birkenau. Um desses familiares foi a avó materna.

Anita, sempre com seus pais, passou alguns meses, na França. Aquela situação era desesperadora, as notícias de bombardeios e escaramuças de guerra na terra natal, imobilizava-os. Para piorar ainda mais a situação foram forçados a partir dali, em junho de 1940, quando os alemães tomaram Paris e os franceses capitularam.

A família de polacos-judeus não tinha mais abrigo naquele mundo enfurecido pelo ódio humanitário. Os Haubenstock fugiram à noite, a pé, pela fronteira com a Espanha. O dinheiro tinha acabado e as joias ficaram em Cracóvia. Afinal, seriam apenas uns dias de descanso nas praias francesas.
Quem pensaria que o mundo estaria em guerra alguns dias depois?
E que o alvo principal dos nazistas, naqueles primeiros momentos, era justo a Polônia?

Quando tentavam conseguir visto de saída, os Haubenstock souberam que a quota para judeus emigrarem aos Estados Unidos estava esgotada. As únicas possibilidades eram Haiti e Brasil.

Anita conta que, “chegamos ao Rio no último navio que saiu da Europa, o Serpa Pinto. Para as passagens de segunda classe, Helena Rubinstein, prima de minha mãe, conseguiu nos enviar emprestados 250 dólares.”

Helena Rubinstein
A famosa cosmeticista Helena Rubinstein, cracoviana como Anita, nasceu e viveu até os 18 anos de idade, na ulica Szeroka (pronuncia-se ulitssa cheróca) 14, no bairro do Kazimierz (pronuncia-se cajimiéj), quando emigrou para a Austrália. Lá, deu início a produção de um creme para a pele e casou com um norte-americano e por isso, fixou residência nos Estados Unidos, onde começou a construir seu império mundial.

Anita conta que Helena Rubinstein, "esteve em casa dos meus pais jogando bridge com meu ex-marido, quando da sua vinda ao Brasil, no inicio dos anos 50".
E conta também, que uma grande amiga sua de origem polaca, Irena Augenblick, ajudou na abertura do primeiro salão da marca, em Curitiba. "Estive com Helena por duas vezes em Nova Iorque, no apartamento da Park Avenue", diz Anita.

Para a família Haubenstock a adaptação foi muito difícil, naquela cidade maravilhosa dos anos 40. “Não falávamos a língua, não tínhamos dinheiro”, diz Anita.

O pouco que era conseguido ia todo para pagar a dívida com a prima da distante Nova Iorque. “Meu pai era advogado, portanto, não podia trabalhar sem antes fazer os exames de revalidação do diploma superior, mas para o qual não tinha tempo”. Era preciso trabalhar e colocar pão na mesa de casa. O pai trabalhou numa indústria que lapidava diamantes e a mãe vendia produtos da Helena Rubinstein de porta em porta.

A cientista
Anita estudou, formou-se em química e fez uma carreira muito bem sucedida. Trabalhou 50 anos na Universidade Federal do Rio de Janeiro, ensinando e pesquisando. Criou um laboratório que acabou sendo mundialmente reconhecido.
Publicou mais de 170 trabalhos em revistas especializadas. Orientou 50 alunos em cursos de pós-graduação.
Foi Anita Panek, quem criou a pós-graduação em Bioquímica na UFRJ. Ela é membro de três academias de ciência.
Recebeu do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a Ordem do Mérito Nacional Científico.
O CNPq – O Conselho Nacional de Pesquisas em uma de suas publicações incluiu o nome de Anita Dolly Panek como pioneira da ciência no Brasil.

A artesã
Em todos esses anos de profunda dedicação às ciências químicas e bioquímicas, Anita em seus momentos de solidão e “também para analisar e repensar pesquisas sempre fiz trabalhos manuais.”

O artesanato para a cientista sempre funcionou como uma terapia. E foi daí que se interessou pela tapeçaria, pelos trabalhos da famosa Madeleine Ribeiro Colaço, cujos temas envolvendo a fauna e flora brasileiras, igrejas, fachadas coloniais, festas, paisagens, e a estética barroca em suas várias manifestações, chamou muito a atenção de Anita.
Tal qual a mestre Madeleine, a cientista buscou aprimorar-se na criação do chamado "ponto brasileiro" (ou brasileirinho). Uma nova maneira de bordar, onde se trabalha, ao acaso, em todas as direções fugindo de um desenho rígido.

O atentado derradeiro
Não bastasse toda a angústia dos primeiros anos de vida, da fuga forçada pela segunda guerra mundial, as dificuldades dos trópicos, dos estudos, da vida dividida entre duas nações (Brasil e Polônia), Anita levou uma rasteira das mais absurdas aos 85 anos de vida.

Os crimes contra Anita aconteceram simultaneamente a ida de seu neto para a Polônia. Carlos, filho de Ana Cristina e Pedro, tinha decidido se graduar na terra de Wisława Szymborska. Anita então, por causa do neto estar vivendo em sua terra natal, finalmente decidiu retornar à Cracóvia. Ela gostou tanto, que passou a frequentar a cidade, através da ponte aérea São Paulo-Cracóvia.

Num destes retornos ao Brasil, em agosto de 2015, Anita verificou que suas contas bancárias e seu salário de professora aposentada haviam sido bloqueadas. “Telefonei para o meu amigo e meu advogado de 20 anos e também de toda minha família, que me respondeu dizendo que resolveria tudo em 48 horas.” Mas o que era para ser uma rápida verificação, levou 25 dias. Tempo este para se conseguir uma liminar que liberasse o pagamento do salário do mês seguinte.

O amigo advogado afirmava que iria verificar a razão do bloqueio e pedia para que Anita ficasse calma. “Eu imaginava que fosse alguma clonagem de documentos! Viajei para a exposição fotográfica de minha filha Ana, em Cracóvia, no mês de setembro e durante um mês fui sendo enrolada pelo advogado que dizia que a justiça estava em greve e que ele não conseguia descobrir nada”.

Anita foi descobrir somente em outubro, após voltar de Cracóvia para São Paulo mais uma vez, na Internet que havia um processo judicial que envolvia seu nome e do seu advogado. A informação era de que a justiça estava penhorando seus imóveis.

Tudo isto porque, em 2009, Anita tinha sido fiadora do “amigo” advogado, no aluguel de algumas salas comerciais. Aluguéis que jamais foram pagos nos últimos seis anos, inclusive taxas de condomínio. Sem que Anita soubesse, o “amigo” advogado, em 2012, quando a dívida ainda era de 140.000,00 reais fez um acordo para o pagamento de apenas 70.000,00 reais, em dez parcelas.

Mais uma vez, o “amigo” foi mal intencionado. Pagou apenas a primeira prestação e nunca mais fez qualquer depósito. No acordo, para evitar que Anita soubesse da questão judicial e econômica, o “amigo” forneceu endereço, no qual, Anita já não mais morava, e assim, evitou que a cientista recebesse as intimações. “No momento que descobri, minha dívida já era de 2 milhões e as minhas duas casas estavam penhoradas!”

Sem outra alternativa, Anita contratou um novo advogado. “Fiz um acordo, paguei mais de um milhão, que não possuía e tive que pedir emprestado para parentes e também mais empréstimos, desta vez, consignados de sua minha aposentadoria”.

A situação desta senhora de 85 anos é de tal monta, que para pagar as novas dívidas que foi obrigada a contrair para ficar quites com a justiça, tem que vender a casa e tudo que nela existe.

Para encontrar a paz, Anita, mais uma vez é quase que obrigada a deixar uma de suas nações. Antes a Polônia dos anos 30, agora, o Brasil! E nestas incoerências da vida tendo que voltar para a sua Polônia natal (país invadido às vésperas da maior guerra da humanidade).

“Vim para Cracóvia para relaxar um pouco e dar a aula inaugural em uma escola de artesanato. No passado, já havia feito estas oficinas, no Festival da Cultura Judaica, de Cracóvia”, explica Anita Dolly Panek.


Livro de Anita Dolly Panek
A agora a artesã, em tempo integral, conta que assinou “um contrato de aluguel de um apartamento para viver em Cracóvia. Assim estou conseguindo dar a volta por cima.....”

Para finalizar Anita conta que o tal “amigo” advogado escreveu-lhe um e-mail dizendo que “não tem nada para ressarcir” e pede desculpas.

Anita deixa uma frase, encerrando nossa conversa: “Psicopatas do cotidiano! Também muito comum entre advogados.”



P.S. Em um estudo, a OMS concluiu e publicou que 1% da população mundial é formada por psicopatas.


Estes são alguns dos títulos publicados por pela Cientista ADP:

Souza, A.C., De Mesquita, J.F., Panek, A.D. et al. Evidence for a modulation of neutral trehalase activity by Ca2+ and cAMP signaling pathways in Saccharomyces cerevisiae. Braz J Med Biol Res, Jan 2002, vol.35, no.1, p.11-16.

Peixoto DN, Panek AD. The involvement of hexokinases in trehalose synthesis. Biochem Mol Biol Int. 1999 May;47(5):873-80.

Eleutherio EC, Silva JT, Panek AD. Identification of an integral membrane 80 kDa protein of Saccharomyces cerevisiae induced in response to dehydration. Cell Stress Chaperones. 1998 Mar;3(1):37-43.

De Mesquita JF, Paschoalin VM, Panek AD. Modulation of trehalase activity in Saccharomyces cerevisiae by an intrinsic protein. Biochim Biophys Acta. 1997 Mar 15;1334(2-3):233-9.

Cuber R, Eleutherio EC, Pereira MD, Panek AD. The role of the trehalose transporter during germination. Biochim Biophys Acta. 1997 Dec 4;1330(2):165-71.

Paiva CL, Panek AD. Biotechnological applications of the disaccharide trehalose. Biotechnol Annu Rev. 1996;2:293-314. Review.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Polônia: segundo país mais seguro do mundo

Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a Polônia é hoje o país mais seguro da Europa e o segundo melhor colocado no mundo.
Varsóvia
Isso não impediu que com a ocupação russa da Criméia e do início da guerra no Sudeste da Ucrânia entre o exército ucraniano e os ditos "rebeldes ucranianos" comandados militarmente pela Rússia, em 2014, tenha despertado velhos fantasmas na Polônia e incitado o temor de um possível ataque russo no país de Koperniko.

Segundo o índice Better Life (qualidade de vida) da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico coloca o país é o segundo mais seguro entre os 34 estados membros da organização.

A segurança pessoal é um elemento central para o bem-estar e inclui os riscos de que as pessoas sejam agredidas fisicamente ou sejam vítimas de outros tipos de crime.
O atentado pode levar à perda da vida e/ou de pertences, bem como dor física, estresse pós-traumático e ansiedade.
Um dos maiores impactos do crime sobre o bem-estar das pessoas é aquele da sensação de vulnerabilidade que causa.

Cracóvia
A Polônia recebeu nesta avaliação uma pontuação de 9,8 que só foi menor do que a do Japão, com 10 pontos.
Este quesito acordo com o relatório significa: "segurança individual é fator determinante de bem estar das pessoas, o que inclui o risco de ser vítima de agressão física ou outra violência".

OCDE descreve a situação na Polônia
"Na Polônia, 1,4% das pessoas relatou ter sido vítima de violência durante os últimos 12 meses. Um índice muito menor do que a média da OCDE que foi de 3,9%. Há uma diferença de quase 1 ponto percentual entre homens e mulheres nas taxas de assalto: 1% para os homens e 1,8% para as mulheres".

A OCDE destaca dois aspectos que devem ser considerados para se compreender a percepção de segurança dos cidadãos:

A taxa de homicídios (o número de assassinatos por 100.000 habitantes) representa uma medida mais confiável de nível de segurança de um país porque, ao contrário dos outros crimes, os assassinatos geralmente são sempre informados à polícia. Segundo os últimos dados da OCDE, a taxa de homicídios da Polônia é de 0,9, muito abaixo da média da OCDE de 4,0.

Na Polônia, a taxa de homicídios de homens é de 1,4 e 0,5 para mulheres. No entanto, embora os homens tenham um risco maior de serem vítimas de agressões e crimes violentos, as mulheres informam menor sensação de segurança, o que pode ser explicado pelo maior temor de ataques sexuais, a sensação de que também devem proteger seus filhos e a preocupação de que podem ser vistas como parcialmente responsáveis.

Lista OCDE dos 10 países mais seguros do mundo

País - assalto - homicídio

1. Japão - 1.4 - 0.3
2. Polônia - 1.4 - 0.9
3. Grã-Bretanha - 1.9 - 0.3
4. Canadá - 1.3 - 1.3
5. Austrália - 2.1 - 0.8
6. Coreia do Sul - 2.1 - 1.1
7. Nova Zelândia - 2.2 - 1.2
8. Islândia - 2.7 - 0.3
9. Irlanda - 2.6 - 0.8
10. Finlândia - 2.4 - 1.4

* Valores calculados pelo índice da taxa de homicídios por 100.000 habitantes e pela taxas de agressão contra as pessoas (assaltos, violência)

Para se verificar a colocação por taxa analisada, entre no site da OCDE (link abaixo) selecione o ano de 2015. Na tabela, ao lado, vá até a coluna "Safety" (que está dividida em "Assault rate" e "Homicide rate".
Abaixo da linha das colunas "Percentage" e "Ratio" existem dois triângulos. Clique no triângulo apontando para cima na coluna de "Assault" e terás a classificação na coluna abaixo, onde aparece o Canadá na primeira colocação de países mais seguros do mundo com a taxa de 1.3 como sendo a menor, em segundo o Japão com 1.4 e a Polônia com 1.4.
Ou seja, neste quesito, a Polônia é sim o segundo país mais seguro do mundo junto com o Japão.
Mas se verificarmos a coluna da taxa de homicídio vemos que o mesmo Canadá está com 1.5 de taxa e o Japão com 0,3.
Portanto, no quesito, Homicídio, o Japão está em primeiro lugar e o Canadá está em 28º lugar.
Numa média, o Canadá estaria 14º lugar de país mais seguro do mundo. O mesmo critério é válido para o Japão, que numa taxa está em segundo com 1.4 e em primeiro com 0,3. Nenhum outro país supera estas colocações do Japão, portanto, ele é o país mais seguro do mundo segundo estes dois critérios de assalto e homicídio.
Por que a Polônia então estaria em segundo lugar? A Polônia com 0,9 está em 5º lugar na taxa de homicídio e segundo lugar na taxa de assalto com 1.4.
Mas que outro país supera a Polônia na combinação destas duas posições? Nenhum! Pois o país, que na verdade é uma reunião de países, é a Grã-Bretanha, ou Reino Unido (como os ingleses preferem ser chamados) que está com uma taxa de assaltos de 1.9, bem acima dos 1.4 da Polônia e acima também dos Estados Unidos com 1.5, que está em 5º lugar neste quesito. A taxa dos britânicos de homicídios, equipara-se ao Japão com 0,3. Assim na média seu posto é o terceiro, atrás da Polônia.   

Os Estados Unidos figuram em 16º lugar na conjunção dos dois percentuais e o Brasil em 35º (só não é pior que o México).

-->
Posição
Pais
Assalto
Homicídios
Canadá
1.3
1.5
Japão
1.4
0.3
Polônia
1.4
0.9
Estados Unidos
1.5
5.2
Grã-Bretanha
1.9
0.3
Austrália
2.1
0.8
Coreia do Sul
2.1
1.1
Nova Zelândia
2.2
1.2
Finlândia
2.4
1.4
Irlanda
2.6
0.8
10º
Islândia
2.7
0.3
11º
República Tcheca
2.8
0.8
12º
Eslováquia
3
1.2
13º
Noruega
3.3
0.6
14º
Áustria
3.4
0.4
15º
Alemanha
3.6
0.5
15º
Hungria
3.6
1.3
16º
Grécia
3.7
1.6
17º
Rússia
3.8
12.8
18º
Dinamarca
3.9
0.3
18º
Eslôvenia
3.9
0.4
Total
OCDE
3.9
4
19º
Espanha
4.2
0.6
19º
Suíça
4.2
0.5
20º
Luxemburgo
4.3
0.4
21º
Itália
4.7
0.7
22º
Holanda
4.9
0.9
23º
França
5
0.6
23º
Turquia
5
1.2
24º
Suécia
5.1
0.7
25º
Estônia
5.5
4.8
26º
Portugal
5.7
1.1
27º
Israel
6.4
2.3
28º
Bélgica
6.6
1.1
29º
Chile
6.9
4.4

Economia fora da OCDE
Brasil
7.9
25.5
Fonte OCDE - 2015

Segundo a OCDE, A taxa de homicídios do Brasil é de 25,5, aproximadamente seis vezes a média da OCDE de 4,0.
No Brasil, a taxa de homicídios de homens é de 48,1 e 4,4 para mulheres.



Fonte: Índices da OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico para o ano de 2015 (Obs.OECD em inglês)
http://stats.oecd.org/Index.aspx?DataSetCode=BLI

sábado, 23 de janeiro de 2016

Que União Europeia quer a Polônia?

A Polônia lutou longa e arduamente contra a ocupação estrangeira e contra um opressivo regime comunista para atingir a sua atual sólida ordem democrática. No entanto, o novo governo do país, apenas há dois meses após ter vencido as eleições de forma convincente e democrática, encontra-se sob o fogo das instituições europeias e de excitados comentaristas da comunicação social que quase não param de tecer considerações sobre o nosso ambicioso programa de reformas.

Em vez de abordar as questões urgentes que o continente enfrenta - a instável fronteira Sul da UE, a Rússia beligerante a Leste - a União Europeia deu início a um conflito totalmente inútil com Varsóvia. A Polônia não é um aluno desobediente a precisar de repreensão escolar; é europeia em toda a sua essência. Juliusz Słowacki, o nosso grande poeta romântico, descreveu a Polônia como estando no coração da Europa - e é esse o seu lugar.

Vamos, então, dar uma olhada para esta situação. Em primeiro lugar, a nossa tentativa de reformar o Tribunal Constitucional não é um ataque ao Estado de direito. Nós estamos a tentar corrigir a legislação deficiente feita à pressa nos últimos dias do governo anterior. Quando se alterou composição do tribunal - 14 dos 15 juízes foram recomendados pela coligação então no governo - violou-se os princípios básicos de uma sociedade pluralista.

Podemos encontrar uma solução para este impasse, mas é uma questão complexa e de natureza não apenas judicial. Precisamos de compromissos políticos, contudo, a pressão externa de Bruxelas só torna mais difícil encontrarmos uma compreensão interna. Claro que acreditamos que o bom funcionamento do Tribunal é vital para que haja Estado de direito na Polônia. É por isso que o nosso governo pediu o parecer da Comissão de Veneza do Conselho da Europa.

Em segundo lugar, as tentativas do governo para reparar o setor público dos meios de comunicação na Polônia também se tornaram um foco de disputa desnecessária. Há um objetivo claro: introduzir legislação que restaure o sentido de missão dentro dos meios de comunicação públicos, que ao mesmo tempo garanta o pluralismo, a independência e a objetividade. O Conselho de Radiodifusão Nacional da Polônia, o nosso regulador de radiodifusão, manterá todos os seus poderes e as novas leis irão cumprir os regulamentos da UE.

Os meios de comunicação não estão sendo amordaçados. As nossas emendas estão tentando restaurar o equilíbrio entre o regulador nacional e os meios públicos, a fim de cumprir as normas da Comissão de Veneza. Como podem estas ações ser interpretadas como uma rejeição à Europa?

Continuamos a procurar uma cooperação estreita com a Comissão Europeia e a apoiar o seu papel ativo na definição da política europeia. Ao mesmo tempo, porém, acreditamos que é muito importante que todas as instituições europeias se apercebam das responsabilidades que lhes são exigidas pelos tratados fundadores. Uma das mais importantes regras relativas à política da UE é o princípio da subsidiariedade, que afirma que a UE deve apenas realizar tarefas que não podem ser executadas no âmbito local. Nos últimos anos, conseguir uma melhor conformidade com esta regra tem sido uma das tarefas mais importantes das instituições europeias.

Em linha com o princípio da subsidiariedade, não requeremos o envolvimento da Comissão Europeia ou do Parlamento Europeu nos nossos assuntos internos. A declaração da Comissão Europeia de 13 de janeiro, pedindo a introdução do chamado Estado de direito, não tem consequências jurídicas realistas para a Polônia. É uma decisão interna da Comissão. No entanto, continuamos comprometidos com o diálogo com Bruxelas, apesar da atitude da Comissão. A nossa abertura foi novamente demonstrada com a participação da primeira-ministra Beata Szydło na sessão do Parlamento Europeu, no debate.

Esta discussão artificial com Varsóvia é uma distração inútil. A pergunta-chave é saber quão competente é a UE face aos atuais desafios e em que soluções europeias a Polônia deve participar? Os Estados membros ainda estão em recuperação dos efeitos da crise financeira e o futuro da zona euro está longe de ser certo. A UE está abalada com um fluxo migratório sem precedentes, que levanta questões sobre a abertura das fronteiras europeias e a segurança interna da União. A Grã-Bretanha, um dos membros mais importantes da UE e um aliado próximo da Polônia, poderá decidir sair da União num futuro próximo. A isto acrescentam-se as graves ameaças geopolíticas sobre as fronteiras da Europa, que facilmente se poderão espalhar provocando conflito e caos.

A prioridade dos Estados membros deve ser, portanto, a de manter a unidade no interior da União e reforçar a Política Externa e de Segurança Comum. É a UE que tem de fornecer soluções eficazes para estes desafios. É isto que os cidadãos esperam. Juntos, temos de enfrentar os problemas que põem em perigo o nosso continente. A escalada da disputa com a Polônia sobre questões de política interna apenas enfraquece ainda mais a UE e obstrui a capacidade da União para lidar com os desafios mais sérios.

É do interesse da Polônia que a UE seja um lugar seguro onde o nosso país possa ancorar os seus interesses. A prioridade imediata é estimular e modernizar a economia europeia. A crise tem roubado de muitos jovens oportunidades e esperanças para o futuro. O crescente descontentamento no seio da sociedade está levando as pessoas a perder confiança na integração europeia. Se não revertermos essas tendências, depois corremos o risco de colapso de todo o projeto europeu, cujos benefícios ainda são muito apreciados pelos polacos.

A UE tem de ser parte da solução e não a raiz do problema. Tendo isso em conta, a Polônia será um membro ativo e responsável da UE. Apoiamos o fortalecimento da solidariedade interna e da responsabilidade - mas, não se enganem, vamos também defender o direito dos países individuais tomar decisões que dizem respeito diretamente aos seus cidadãos. Nós dizemos "não" a uma Europa supranacional, federalista, porque não é isso que os nossos países e os nossos cidadãos precisam.

A democracia na Polônia não está sob ameaça. Também não estamos voltando às costas a Europa. Pelo contrário, queremos desempenhar um papel de liderança na construção de uma Europa forte, flexível e enraizada em solidariedade.


Witold Waszczykowski
Ministro das Relações Exteriores da Polônia.

Witold Jan Waszczykowski (nasceu em 5 de maio de 1957 em Piotrków Trybunalski.) - historiador, diplomata e político. Em 1980, graduou-se na Faculdade de Filosofia e História na Universidade de Łódż. Em 1991, graduou-se na Faculdade de Relações Internacionais, da Universidade de Oregon, EUA.
Em 1992-1993, completou seus estudos de pós-graduação em Segurança Internacional e Controle de Armas no Centro para a Política de Segurança, em Genebra. Em 1993, ele recebeu o grau de Doutor em Humanidades no campo da história sobre o trabalho dos Estados Unidos e as negociações de desarmamento estratégico entre 1919-1936.
Católico conservador e de direita, pertence aos quadros do PiS - Partido Direito e Justiça, de Jarosław Kaczyński.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Cruzada polaca contra UE podre de “vegetarianos e ciclistas”

Você pode começar o dia na Polônia sendo um patriota ou um traidor de acordo com o seu café da manhã e pelo seu meio de transporte ao sair de casa. Se comer salsichas e pegar o carro, tudo bem. Se optar pelos cereais e a bicicleta, péssimo.


Segundo o ministro das Relações Exteriores, Witold Waszczykowski, sua missão é acabar com "a Europa apodrecida de vegetarianos e ciclistas". Acrescentou a mistura de raças e culturas e as energias limpas. Preservar a identidade nacional polaca, entendida como os valores da tradição cristã, é uma prioridade do Executivo ultraconservador do Direito e Justiça (PiS), presidido por Beata Szydło e dirigido politicamente por Jarosław Kaczyński, o líder do partido. Trata-se do primeiro partido da história moderna da Polônia a conquistar a maioria absoluta, nas últimas eleições de outubro. Nessa cruzada é essencial controlar a imprensa para separar os polacos "bons" dos "maus".

“O Governo quer um Estado fascista, corporativo, de partido único”, diz Piotr Stasiński, vice-diretor da Gazeta Wyborcza, o maior jornal da Polônia, fundado em 1989 e referência progressista da democracia.


O último sinal de alarme é uma lei de polícia que amplia seu poder de vigilância na Internet, e-mails e celulares. Stasiński, preocupado, fumava sem parar na segunda-feira na janela de seu escritório, mesmo com a temperatura de sete graus abaixo de zero do lado de fora. O jornal, junto com outros veículos de oposição, encabeça a lista dos traidores da pátria.


Após o ataque contra o tribunal constitucional, com uma reforma que o neutraliza, a imprensa é o outro grande objetivo. “Os veículos públicos ignoram sua missão, ao invés de defender o interesse nacional, seus jornalistas frequentemente simpatizam com as opiniões negativas contra nosso país”, argumentou uma deputada do PiS, Elżbieta Kruk.


As formas impressionam: uma lei aprovada em tempo recorde às quatro da madrugada de 24 de dezembro causou uma limpeza na televisão e rádio públicas. No dia seguinte à ratificação foi despedido, por exemplo, Kamil Dąbrowa, diretor da Rádio 1. “Por infringir as novas normas éticas, por ir contra o espírito nacional”, explicou na terça-feira em sua casa. O que ele fez contra esse espírito foi ruidoso: colocar a cada hora o hino nacional, alternando-o com o da UE, como protesto pela nova lei.

Como ele, numerosos dirigentes, redatores e rostos muito conhecidos da televisão foram despedidos. É normal que a cada troca de Governo ocorram exonerações nos veículos públicos, mas dessa vez o que se viu foi uma onda de demissões, uma lei que permite evitar o filtro do conselho nacional de rádio e televisão e a nomeação a dedo, sem concurso, de jornalistas conservadores e de veículos católicos. E é só o começo. “Essa é a chamada pequena lei de imprensa, a grande virá em poucos meses, e prevê a transformação dos veículos públicos em Sociedades de Cultura Nacional. Todos os funcionários serão despedidos, 3.000 pessoas, e serão novamente contratados. Por enquanto é um período de verificação de obediência. Estão limpando o campo de manobra para tomar o controle do Estado”, comenta Dąbrowa. As duas redes de televisão públicas são as mais vistas da Polônia.

Seu novo presidente, Jacek Kurski, recusou na terça-feira conversar com o jornal espanhol EL PAÍS.

Uma das primeiras a cair foi Ewa Wanat, locutora da rádio pública RDC despedida em setembro, um mês antes das eleições. “A vitória do PiS era algo concreto e foi um sinal de colaboração para salvar outros”, contou na terça-feira em um café.
Wanat, muito popular, simboliza o que o PiS odeia. Tinha um programa bem-humorado dirigido à comunidade homossexual e transexual que começava dessa forma: “Olá bichinhas!”.
E um consultório sexual, algo incomum na Polônia. “Era muito atrevido. Aqui até mesmo os partidos progressistas são conservadores no social, por medo da Igreja”, explica. Em sua opinião, o país voltou à propaganda das leis marciais dos anos oitenta. Ela pediu um boicote aos veículos públicos, também de participação, “para não legitimar essa farsa”.

A imprensa privada também está sob ataque: os considerados hostis perderam sua assinatura de entidades públicas, a publicidade institucional e a de grandes empresas estatais. O Governo alega que a maior parte dos veículos está nas mãos de empresas estrangeiras, especialmente alemãs, o que é verdade. Um dirigente de um deles confessou privadamente na terça-feira que se espera algum tipo de medida hostil mediante impostos e a limitação de cotas de capital, como na Hungria e na Rússia.

A única saída é o protesto. “Mas vemos somente a mobilização de pessoas com mais de 30, 40 anos..., que se lembra da época comunista. Os jovens são uma geração do celular, que não lê a imprensa, não faz nada para mudar. Para eles a liberdade é óbvia, não acreditam que podem perdê-la. Precisam acordar”, alerta Dąbrowa. A próxima manifestação será no sábado.


Texto: ÍÑIGO DOMÍNGUEZ
(ENVIADO ESPECIAL),
Jornal El País, Madrid