sábado, 15 de maio de 2010

Antiocho: O caso que virou causo



O "Casos e Causos" de Guto Pasko, que a a RPCTV, Canal 12 de Curitiba, apresenta neste domingo após o "Fantástico" da Rede Globo, aproxima-se historicamente da figura de Antiocho Pereira como heroi, muito em função dos causos que os descendentes dos primeiros imigrantes da então Colônia de Cruz Machado (hoje município paranaense) contam sobre o passado. Um tempo que no imaginário daquela gente há muito deixou de ser história para ser lenda.
E foi justamente por este fator "causo", que me aventurei a pesquisar sobre o difícil início daqueles imigrantes do Leste da Polônia (região de Lublin) no sul do Paraná em 1911.
Em minhas pesquisas para a tese de doutoramento na Universidade Iaguielônia de Cracóvia fui além do causo, da lenda para me fixar no caso, no fato, na documentação histórica.
Assim que o heroi de Cruz Machado, Antiocho Pereira é mais caso do que causo. Sua estatura humanitária levou-o a ser condecorado pelo governo da Polônia, em retribuição a imensa ajuda que prestou aos imigrantes de Cruz Machado.
O caráter ilibado o transformou na pessoa que encarnou o papel do salvador, do “Bom Samaritano” e por isso, o farmacêutico Antiocho Pereira pelos seus atributos de honradez e moral foi elevado à categoria de mito.
Durante toda a fase das pesquisas para minha tese, seu nome esteve sempre presente, seja nos depoimentos, nos artigos de jornais, ou na bibliografia. Contudo, quando os depoentes são comparados com o acervo da família do farmacêutico e com bibliografia do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, a maioria das informações não se coaduna. A começar pela atuação do farmacêutico na colônia de Cruz Machado em 1911. Irene Fryder Rockenbach em “Dados Históricos e Memórias de Cruz Machado”, publicado em 1996 pela Prefeitura de Cruz Machado diz na página 120 de seu livro que:

Depois que o médico retornou a Curitiba, veio o farmacêutico formado, Antiocho Pereira, o qual mereceu o nome de “bom samaritano”. Dedicou-se inteiramente em prol dos doentes a qualquer hora do dia ou da noite, se tivesse dinheiro, ou não para pagar os medicamentos. Este nobre homem desfez-se dos bens materiais para ajudar os necessitados. Quando os colonos melhoraram de vida, construíram uma casa em União da Vitória, na Avenida Manoel Ribas, entregaram a chave a Antiocho Pereira e convidaram o casal a morar nela.

Nestas afirmações há pelo menos duas questões motivadoras de discussão. Declarar que Antiocho vendeu suas propriedades para comprar remédios é o primeiro desencontro com a verdade, e a segunda, de que os colonos lhe deram uma casa em retribuição também está, pelo menos, parcialmente equivocada. Fryder Rockenbach faz declarações que simplesmente não coincidem com a biografia preparada pelo neto do “heroi”, Fábio Furtado Pereira. Fryder Rockenbach comete outro equívoco, desta vez, em relação ao período de funcionamento da farmácia:

Nasceu em Paranaguá. Estudos feitos em Curitiba. Diplomado em Farmácia no Rio de Janeiro. Veio residir em Porto União da Vitória e depois em Cruz Machado, onde tinha uma farmácia de 1912 a 1925. Nunca pensou em fazer deste nobre mister um meio de ganhar dinheiro. A sua profissão servia a uma finalidade precípua: "sedare dolorem”, segundo o preceito de Hipócrates. Em 1925 mudou-se para União da Vitória. Em 1928 assumiu a Prefeitura de Porto União. Agia em função do povo, com o povo e para o povo. Modernizou a “Praça Hercílio Luz”. Destacou-se profundamente na imprensa local enfocando assuntos agrícolas com grande conhecimento. Era honesto, justo e inteligente. Ajudou muito os colonos poloneses e outros. Atribuiram-lhe o nome de “Bom Samaritano”. Perdeu a farmácia para ajudar os imigrantes.

Os familiares do “heroi” negam muitas dessas informações. As diferenças se relacionam, principalmente, com os períodos e datas mencionados pelas outras fontes. Em relação aos bens que, Antiocho teria vendido para comprar remédios para os infectados imigrantes de Cruz Machado, reside a maior controvérsia. Segundo Fryder Rockenbach, Antiocho possuía uma farmácia, em União da Vitória, no período de 1912 a 1925, que seria o período em que ele teria residido na colônia. Ela afirma que a casa foi uma retribuição aos esforços do farmacêutico em prol dos imigrantes infectados.
Porém Lindolfo Fernandes em sua obra “União da Vitória (Memória) Saúde Pública”, editada pela Secretaria de Estado da Saúde do Paraná, Curitiba na página 16 afirma que,

“o pioneiro Antiocho Pereira, fundou em 1924 a - Pharmacia União - originalmente num casarão de madeira na rua XV de Novembro e, posteriormente, na rua Prudente de Morais, em Porto União”.

Portanto, essa parte dos fatos repetidos pelos depoimentos colhidos junto aos descendentes do imigrantes de polacos, em Cruz Machado, não é verdadeira. Antiocho não vendeu a farmácia nem sua casa, por que a farmácia não existia ainda, já que viria a ser inaugurada somente em 1924. E a casa, na verdade, o que os polacos fizeram foi ajudar numa reforma da casa, já que esta estava ficando muito acanhada para acomodar o número crescente de afilhados e compadres do farmaceutico. E isto é comprovado pelos estudos do bisneto de Antiocho,

“Meu bisavô não vendeu nada para ir salvar os imigrantes de Cruz Machado. A casa já existia e nunca foi vendida. O que ocorreu na verdade foi uma ampliação da casa. A planta da reforma comprova isto. Nisso sim, na reforma da casas os compadres polacos ajudaram meu bisavô”.

O projeto da reforma da casa, portanto, desmente os compadres imigrantes, que dizem que,

“os colonos, agora já em melhores condições financeiras, construíram uma casa em União da Vitória entregando as chaves para Antiocho Pereira morar com sua família”.

Eles tampouco compraram o terreno, pois este já era de propriedade de Antiocho. No próprio projeto está assinalado que era um aumento da casa de madeira de propriedade de Antiocho Pereira.


O texto acima é uma versão parcial, traduzida do idioma polaco, de minha tese de doutoramento na Polônia, "Cruz Machado - A história que virou lenda", que estarei publicando em 2011. (ulisses iarochinski).


Mas o curta-metragem de Pasko não tem nada com a realidade, pois trata-se de uma ficção, embora baseada em depoimentos históricos, aceitos por todos, até a publicação de minha tese ano que vem, em forma de livro. Pois então todos poderão conhecer o caso, o fato, a história e não só a lenda que se formou em Cruz Machado.


Vale a pena ver a Revista RPC neste domingo, na Globo do Paraná.